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Fragmentos



Quantas coisas pra pensar, tantas por fazer, outras pra esquecer...
Há um ponto em que nossa mente chega onde as palavras e os sentimentos se mesclam. Giram, unindo-se a pequenos fragmentos de infinitos sonhos incompletos, alguns perdidos, outros vazios. Ocorre enquanto uma versão perversa do nosso ser brinca sucintamente de nos tornarmos vulneráveis ante uma suave melodia, um simples suspiro, uma recordação, ante o menor sinal de agonia. Uma sucessão de palavras e prantos implora para fluírem de nossa boca, porém tudo se detém em nossa garganta. A respiração se torna mais lenta. Medo, opressão, saudade... Sentimos a necessidade de sofrer e de afundar-nos cada vez mais n’um imenso e profundo mar de tristeza, que vai se formando do nada. Mas quando finalmente percebemos, vemos que abrange mais que apenas um solitário canto de nossa morada. Começamos a vagar por recônditas ruas do nosso passado, paisagens escuras e sem fim, envoltos em olhares frios, olhares de rejeição, oportunidades jamais alcançadas, desejos e essências que tivemos e que nunca mais regressarão. Só nos restam momentos como este, onde nos encontramos vivendo de falsas ilusões, entre a barreira do real e o intangível, frente a obstáculos invisíveis e impenetráveis. Muros que nos encerram em algo parecido com uma bolha, tão resistente e ao mesmo tempo tão frágil que a qualquer momento pode se romper e ferir-nos ainda mais com seus fragmentos. Algo que nos faz clamar pela morte, num ultimo sinal de esperança, por que não há pior sofrimento do que estar vivo sem poder sentir. Não há pior agonia que viver com o desejo de fazer voar a imaginação com um disparo na cabeça. No entanto, sempre tivemos uma inclinação por alçar vôo, acreditando que ainda temos aquelas antigas asas da infância, sem perceber que se quebraram e se perderam em algum momento de nossas vidas. Saltar para o vazio faz nos lembrar que somos apenas humanos, às vezes chegamos tão alto que temos que aterrissar com a própria vida e livrar-nos dos anseios perdidos e submergidos entre nossas lágrimas, onde a honra se acaba e nos tornamos covardes, quando já não há mais solução para os problemas, e a vergonha é maior que nosso próprio orgulho e desejo de combater. Não resta mais nada, e em algumas circunstâncias compreendemos que o mundo sem a nossa existência seria muito melhor, que acabando com nosso desejo de pertencer a algum lugar, podemos fazer felizes as pessoas que sempre lastimamos. Essas não são palavras de uma heroína, são tão somente as palavras de uma covarde que teima em passar pelo mundo em silêncio, onde ninguém a perceba, mas, que teme que a vida siga seu rumo mesmo diante de sua insignificância, e admitir que existam pessoas felizes apenas pelo fato de que nunca a conheceu.
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Quem é o dono da verdade?

Vejo o sangue inundando o templo.
Nossos sonhos morrendo a cada segundo.
Minha insanidade agora é questão de tempo.
O vento soprando é sinal de luto.

Tantas mães velando os corpos de anjos.
Tantos anjos descobrindo que o inferno é mais perto.
Deitados em flores, sonhos e planos.
Caminhos trocados, o errado e o certo.

Atirem a primeira pedra quem nunca errou o caminho.
Tantas almas malditas se passando por puras.
Olhando em minha face, negue sua coroa de espinhos.
Teu corpo é pó, tua casa sepultura.

É mais fácil dizer que o errado é o vizinho.
Sozinhos sabemos de nossos medos internos.
Você aponta seu dedo me indicando um caminho.
Quem me garante que seu atalho pro céu não acabe no inferno?

Por: Thato Bordin
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Nictofobia

Os primeiros raios da aurora despontavam no horizonte, banhando de luz as ruas e praças.
Começava um novo dia.
Ele despertou agitado, encolhido no chão do pequeno quarto em seu apartamento. Levantou apressando-se em abrir as cortinas da janela mais próxima, deixando que a luz do amanhecer entrasse iluminando o sombrio quarto e silenciando as agitadas batidas em seu coração.
Repetindo o mesmo processo nos outros cômodos do apartamento, até que ele estivesse agradavelmente iluminado.
Tomou banho rápido, se vestiu, preparou seu café.
Da janela da cozinha observou a ruidosa cidade que se levantava para mais um dia de intensa atividade.
Olhou o relógio, ele ainda tinha algum tempo. Com calma, tomou seu café.
Levantou-se e fechou as janelas que havia aberto para que o ar adentrasse. Pegou sua carteira, seu casaco e saiu.
A manhã estava agradável e quente e ele desfrutou de seu passeio até a rodoviária mais próxima. Uma vez ali, comprou um bilhete de ida e volta e esperou pacientemente a linha dois, enquanto folheava as notícias do New York Times.
Entrou no ônibus e cochilou tranquilamente durante os 15 minutos do seu trajeto para o trabalho.
Seu escritório se localizava no décimo andar de um moderno edifício no centro de Nova York. Cumprimentou os amigos no elevador e entrou em sua sala. Durante a manhã não ficava tão atarefado, o que lhe permitia deixar passar o tempo entre uma chamada e outra enquanto continuava observando a cidade através da enorme vidraça.
Durante o almoço, um amigo o questionou sobre um ferimento em sua sobrancelha esquerda. Ele minimizou atribuindo o fato a uma topada infeliz na noite passada, mas diante da insistência do amigo, promete dar uma olhada antes de voltar ao trabalho.
Acabando o almoço, se despediu e cambaleando, caminhou até o banheiro, direcionando mecanicamente seu olhar para baixo, no intuito de verificar a intensidade que os raios solares refletiam no chão daquele pequeno cômodo. Caminhou a passos trôpegos até um grande espelho que há muito decorava aquele ambiente. Nada. Seu reflexo lhe devolveu a imagem de um jovem rapaz loiro com cara de assustado e um pequeno corte em sua sobrancelha. Aliviado, lavou o rosto, desinfetou o ferimento e, apressado, retornou ao seu escritório a fim de terminar o trabalho.
As horas correram levando com ela a luz reconfortante do sol do meio dia. As nuvens carregadas no céu não faziam nada para retardar o avanço do inevitável.
O homem apertava as mãos nervosamente enquanto lançava olhares furtivos para a janela, observando o trafego da tarde. Tudo parecia normal.
As sete, o anoitecer se apresentou iminente. Ele recolheu seus pertences e apressado entrou no elevador esquecendo-se de se despedir de seus colegas. Saiu quase correndo em direção à rodoviária, chegando a tempo apenas de tomar o ônibus de volta para casa. O trajeto lhe parecia infinito. Olhou pela janela observando que os últimos raios de sol desapareciam no horizonte.
Nervoso, deu uma olhada ao redor e de novo, voltou sua atenção para a janela onde, em pânico, assistiu novamente a chegada da noite.
O motorista deu uma freada brusca ao virar a esquina, fazendo-o bater com a cabeça no banco da frente a abrindo ainda mais o ferimento em sua testa. Xingando baixinho e a fim de averiguar a gravidade da batida, olhou novamente para o vidro da janela, quando viu apavorado, em seu reflexo uma imagem distorcida.
De novo ela estava lá em seu lugar, o que deveria ser sua imagem, agora não passava de um vulto, uma sombra a espreitar-lhe. Atormentado, levou a cabeça até seu colo cobrindo-a com ambas as mãos na tentativa de se proteger daquela assustadora visão.
O ônibus parecia que nunca chegaria ao seu destino e tudo que ele queria naquele momento era escapar dali.
Seu corpo começou a suar. Sentia seu coração bater descontroladamente.
Finalmente o ônibus parou e ele saiu às pressas. Caminhando por entre a multidão até chegar a um banheiro público onde mais uma vez constatou diante do espelho a escuridão refletida.
Tenta com muito esforço retomar seu caminho, sair dali o mais rápido possível, mas ficou paralisado de horror enquanto tentava gritar por socorro. Não havia ninguém que o pudesse ouvir.
Levou uma mão ao espelho e sentiu um calafrio percorrer-lhe toda a espinha. Sentia o toque gélido da escuridão em seus dedos. Tomado por súbita coragem e revolta, golpeou o espelho despedaçando-o em mil pedaços. Saindo de seu transe caminhou em direção a porta enquanto observava com horror a escuridão tomar conta de cada fragmento de cristal espalhados pelo chão. Cambaleando, conseguiu finalmente escapar daquele inferno, retomando seu caminho para casa.
A cidade já estava consumida pela escuridão. Caminhava entre uma multidão de pessoas e rostos desconhecidos que ignoravam a angústia e pavor que o consumia naquele momento. A ansiedade de voltar para casa crescia cada vez mais enquanto continuava sua caminhada pelas ruas movimentadas na qual, em toda parte que olhava, a única cor que via, era o preto.
Dobrou duas esquinas e entrou num beco tomando um atalho que o levaria mais rapidamente até o seu destino. A escuridão naquele lugar era absoluta. Felizmente, ali, não havia ninguém.
Três passos e parou bruscamente com o coração sobressaltado. O silêncio era sepulcral. Mais dois passos e parou novamente, mas o eco que lhe perseguia parou com ele, e mais uma vez, só ouve sua própria respiração. Continuou caminhando lentamente, e, em cada passo, ouvia outro atrás de si. Parou e se virou, mas, não havia ninguém.
Acelerou os passos tratando de ignorar os ruídos que o seguiam até que chegou a seu portão. Abriu apressadamente a porta e subiu as escadas, escutando como os barulhos dos passos atrás de si aceleravam também. Uma vez dentro de seu apartamento, fechou a porta com a chave e tentou se acalmar, mas, ela estava lá, na sala, na sombra dos cantos, atrás de cada porta. Não havia como fugir.
Ele percebeu que se esquecera de cobrir os vidros das janelas com as cortinas. Lentamente se aproximou do vidro, viu seu rosto desfigurado pelo medo sumindo na escuridão. Percebeu então que não importava para onde ele fosse, a escuridão sempre o encontraria.
Os primeiros raios da aurora desponta no horizonte, banhando de luz as ruas e praças.
Em Nova York é um novo dia. Em algum de seus enormes bairros, um homem desperta agitado, encolhido no chão do pequeno quarto de seu apartamento.
A noite...

Nictofobia:
Consiste no medo do escuro ou da noite. Geralmente é causado pelo fato de que a pessoa não pode ver no escuro e ela teme o que não pode ver. E, em lugares mal iluminados, as coisas parecem ser o que não são. Mesmo a ciência afirmando que o medo é irracional e o que se teme não é real, não é suficiente para aliviar o pânico.
 
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